O programa de Português está desatualizado- Opinião de uma aluna
Para contexto, estou agora no 12ºano do ensino secundário no curso científico-humanístico de ciências e tecnologias. Mas nem sequer vou chatear-me a enveredar pelo caminho de que os alunos de ciências não deviam ter o mesmo portugues que os de humanidades.
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Atualmente, no ensino secundário, as obras lecionadas no domínio da educação literária passam por "Os Lusíadas", "Mensagem", poemas de Cesário Verde, "Frei Luís de Sousa", "Amor de Perdição", "Os Maias", "Memorial do Convento", poemas de Antero de Quental entre outras que de momento não me vêm à cabeça.
Eu não digo que não se tratem de excelentes obras, mas será que são as mais adequadas para o programa da disciplina?
Apesar de considerar interessante a visão histórica que nos fornecem sobre a língua portuguesa, parece-me que o Português está apenas a ser usado para homenagear autores. Em vez de, como devia ser o seu objetivo, estimular a capacidade de interpretação crítica e preparar os alunos para saber ler e escrever de forma competente e sensível às realidades atuais.
Uma Homogeneidade Preocupante
O currículo atual é amplamente dominado por autores masculinos portugueses e brancos que, embora possam ter grande valor literário e histórico, não representam toda a diversidade da produção literária portuguesa. Não é novidade que o número de mulheres ou pessoas não-brancas escritoras era inferior no passado, mas isso não pode justificar a quase ausência de obras escritas por estes grupos no programa de leitura. Esta lacuna não só priva os alunos de diferentes perspectivas e experiências, mas perpetua uma visão limitada sobre a literatura e sobre a sociedade como um todo.
A Exaltação dos Descobrimentos: Um Passado Pintado de Rosa
Há um grande número de obras no progama que exaltam os Descobrimentos, retratatando este período da história como uma grande epopeia heroica. Obras como "Os Lusíadas" oferecem uma versão idealizada dos navegadores portugueses, ignorando, ou suavizando, os massacres, a exploração e a opressão colonial que o expansionismo europeu impôs às populações indígenas.
É importante lembrar que os Descobrimentos não foram apenas feitos gloriosos, mas também e principalmente momentos de violência, exploração e devastação de culturas e povos. Continuar a ensinar essa parte da história de forma acrítica, como se fosse uma página exclusivamente brilhante do passado, é negar a complexidade e as contradições históricas. Em vez de celebrar uma visão "cor-de-rosa", deveríamos propor uma leitura crítica e reflexiva sobre os impactos do colonialismo.
Não existirão outras obras, também de elevada qualidade literária, com temáticas mais felizes? Eu chego a sentir-me envergonhada ao ler certos textos.
Problemáticas de Racismo, Homofobia e Machismo
Outro problema grave do programa atual é a presença de obras que contêm visões racistas, machistas, homofóbicas e até gordofóbicas. Textos como estes refletem o pensamento de uma época, sim, mas trazem consigo o risco de normalizar ou não desafiar suficientemente essas visões entre os jovens leitores. Muitas vezes, esses textos não são acompanhados de um debate crítico à altura, que permita aos alunos confrontar e compreender criticamente esses valores ultrapassados.
É importante incluir discussões sobre essas temáticas na sala de aula, mas não pode ser feito de forma passiva. Precisamos de um programa que incentive a desconstrução dessas ideologias prejudiciais, ao mesmo tempo que abra espaço para autores contemporâneos e obras que promovam a diversidade e a inclusão
Obras com as Quais os Alunos Não se Identificam
Outro ponto crítico do programa atual é que muitas das obras escolhidas não são atraentes para a maioria dos alunos. Livros como "Os Lusíadas" ou "Os Maias", apesar do seu valor literário e histórico, são distantes da realidade dos jovens de hoje. A linguagem arcaica, os temas longínquos e as abordagens formais são barreiras que dificultam a identificação dos estudantes com os textos. Para muitos, essas obras parecem intocáveis e inalcançáveis, o que resulta na perda de interesse pela leitura.
Em vez de se criarem leitores apaixonados, o sistema atual muitas vezes cria aversão à leitura, pois os alunos sentem que estão a ler por obrigação, sem qualquer ligação emocional ou pessoal com as histórias. O foco deveria ser em proporcionar leituras que, além de enriquecer culturalmente, toquem em temas relevantes para as suas vivências. Ao oferecer obras que dialoguem com as questões atuais, como a identidade, as relações humanas e os desafios da juventude contemporânea, podia-se transformar a leitura numa atividade não só formativa como prazerosa.
Repensar o Programa: Um Novo Objetivo para a Disciplina
Chegamos a um ponto em que é crucial repensar o programa de Português. A literatura não deve ser apenas uma homenagem a autores consagrados, mas uma porta para o conhecimento do mundo, das múltiplas vozes que nele existem, e das experiências que formam a nossa realidade social. O objetivo principal da disciplina deveria ser incentivar o gosto pela leitura, pela escrita e pela reflexão crítica.
É urgente um currículo que valorize mais a diversidade de autores e de experiências, que promova o pensamento crítico em relação às injustiças do passado e do presente, e que faça da leitura uma ferramenta de transformação pessoal e social. Não podemos continuar a formar leitores que veem a literatura como algo distante e ultrapassado. O que está em jogo é o futuro do pensamento crítico e da capacidade de os jovens lerem o mundo de forma consciente, empática e questionadora. O futuro de Portugal.
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Espero que tenham gostado! Eu sei que este não é bem o meu estilo de post/conteúdo/texto/linguagem, mas estava revoltada e precisava de descarregar no teclado. Não se esqueçam de deixar um favorito e de partilharem a vossa opinião com um comentário